Conta-se que há muitos e muitos anos, num reino distante do
Oriente, um sábio rei era atormentado por um de seus ministros, que perseguia
pobres imigrantes. Estes eram hábeis artesãos, alfaiates e sapateiros, que não
haviam tido a chance de estudar.
Construíam pequenas casas de madeira, mantendo à frente uma
humilde oficina, onde efetuavam consertos, teciam, esculpiam, enfim,
mantinham-se ocupados, levando suas vidas de maneira pacata. De modo geral eram
aceitos pelos cidadãos daquele reino, graças ao bom trabalho de suas mãos.
O pagamento que recebiam não era lá dos melhores,
obrigando-os a trabalhar também durante a noite. Do seu castelo, o rei
observava de longe, com certa admiração, aquelas lâmpadas de azeite a
reluzirem, iluminando as oficinas. Assim era dia após dia.
Portanto, sempre que o invejoso ministro trazia ao rei
críticas contra os imigrantes, este não as levava em consideração. A cada dia,
porém, crescia a maldade do ministro. Ordenou então aos mercadores que
cobrassem dez vezes mais pelo azeite vendido, a fim de que os estrangeiros não
pudessem mais trabalhar à noite.
Por isso, diminuía cada vez mais o número de lâmpadas
acesas. Até que, passados alguns dias, não se podia ver nem mais uma chama. O
rei, curioso, chamou o ministro para saber o que se sucedia. Este foi rápido em
informar que os preguiçosos, cobrando preços caríssimos, tinham enriquecido
rapidamente e não precisavam mais trabalhar à noite.
Insistia em que o rei confiscasse tudo quanto tivessem e os
expulsasse.
O rei, achando muito estranha aquela história, decidiu ir,
com o ministro, pessoalmente averiguar. Constatou então que os imigrantes
trabalhavam como se não tivessem tempo suficiente para terminarem suas tarefas.
Ninguém sequer perdia um momento.
O soberano se aproximou de um velho sapateiro e perguntou:
- Com os dez, tiras para os doze?
- Não, Vossa Alteza. Com os dez não tiro nem para os trinta
e dois.
- E quantos trinta e dois possuis?
- Seis, Majestade, sendo um incêndio que espero apagar em
breve.
- Se tens um incêndio para apagar em breve, por que não depenas um pato?
O homem, de aparência cansada, como que a esconder um leve
sorriso, arrematou: Assim farei meu bom
rei, assim farei.
O rei e o ministro voltaram para o castelo. Em lá chegando,
o monarca lhe perguntou: Entendeste a conversa que tive com aquele pobre homem?
- Nem uma só palavra! — respondeu ele prontamente.
- Como pode tal coisa?
O mais importante e culto ministro do meu reino não consegue
entender a conversa que tive com aquele pobre sapateiro, que nem sequer escreve
o próprio nome! Dou-lhe três dias e nada
mais. Se não puderes me dizer o sentido daquela conversa, serás demitido e
outro tomará o teu lugar - sentenciou o rei.
O ministro nunca se sentira tão humilhado. Como podia ele
não entender as palavras de um pobre e inculto sapateiro? Pensou por toda a
noite, mas nada concluiu. Chamou seus assistentes e consultou seus amigos,
porém tudo em vão. Ao terceiro dia, estava desesperado.
Como escapar de tão vergonhosa demissão? Foi então que lhe
ocorreu que só uma pessoa poderia ajudar: o próprio sapateiro. Seu desespero
era tamanho que venceu seu orgulho e foi à sua procura. Lá chegando, arrogante
e impaciente, questionou o velho sobre o sentido daquela conversa, ao que este
lhe respondeu:
- Senhor ministro, sou apenas um velho e iletrado sapateiro,
mas se posso ser útil em alguma coisa, ponho-me a vosso inteiro dispor. Apenas
peço que não me negues o salário, pois vivo do que Deus me ajuda a ganhar.
Assim, o ministro lhe
deu 20 moedas de ouro.
- O
rei, vendo que trabalho com as mãos, perguntou se com os dez dedos consigo
tirar o sustento para os doze meses do ano - começou o velho a
explicar. O homem exultou e quis saber do resto.
O velho não aceitou menos que 200 moedas de ouro para
continuar.
O ministro enviou seus servos ao cofre que mantinha em casa,
para tirar tudo que lá houvesse. Logo voltaram e entregaram ao sapateiro as
bolsas com o devido pagamento.
- Com os dez não tiro nem para os trinta e
dois significa que, com o trabalho de minhas mãos, não tiro sequer para os
trinta e dois dentes que tenho na boca. O rei então perguntou quantos trinta e
dois eu possuía, querendo saber quantas bocas tenho para alimentar - explicou o
sapateiro.
O ministro começava a se sentir aliviado e disse: Continue,
continue!
- Pois não, senhor
ministro. Porém a próxima frase é de grande profundidade, e se lhe revelar por
menos de duas mil moedas de ouro, estarei desprezando a sabedoria do rei, o que
na verdade não é bom - respondeu o velho.
O ministro relutou em aceitar, mas a vergonha de ser
demitido não lhe dava opções. Assim, mandou seus servos ao banco, e estes
voltaram com uma caixa contendo tudo quanto ele tinha. O velho a guardou e recomeçou
a explicação: A frase "seis, Majestade, sendo um incêndio que espero
apagar em breve" significa que tenho seis bocas para sustentar: eu, minha
mulher, três filhos e uma filha solteira, que estou para casar em breve.
Conforme a tradição do meu povo, o pai da noiva deve pagar
pela roupa de casamento de toda a família, arcar com as despesas da festa e
ainda oferecer ao noivo um substancial dote, suficiente para sustentar o casal
durante os três primeiros anos de casados. O prejuízo é de tal ordem que costumamos
chamar filha solteira de incêndio, e, sendo para breve seu casamento, disse ao
rei que este incêndio esperava em breve apagar.
O ministro mal podia aguardar o momento de revelar ao rei o
curioso sentido daquele diálogo. Assim, arrematou: Vamos então para a última
frase, e não me peças mais nada, porque eu lhe dei tudo que tinha.
Ele usava, naquele fim de tarde, um traje de palácio, tecido
em fina seda e veludo de excelente qualidade.
O velho sapateiro, que tinha começado a vida como alfaiate,
sabia apreciar uma boa roupa. Assim, concluiu: Pelas últimas e derradeiras
frases, não pedirei nenhum dinheiro, pois já tenho tudo quanto precisava.
Faltam só os trajes de bodas. Portanto, na conclusão de nosso negócio, aceito
as roupas que vestes como pagamento.
O ministro não esperava tal pedido, mas já que havia
investido todo o seu dinheiro para salvar seu posto, e se aproximava a hora
final dada pelo rei, retirou as vestes, ficando apenas com os sapatos, as meias
e o calção de baixo, que não era lá grande coisa.
- Quando o rei disse "se tens um incêndio para apagar
em breve, por que não depenas um pato?",
o rei estava me avisando que entendia a situação difícil na qual eu me
encontrava. Estava, então, a me providenciar um pato, um incauto, alguém que, julgando-se
entendido e sábio, na verdade não passasse de um estúpido orgulhoso.
Depená-lo significava tirar-lhe o que tivesse, em troca de
uma verdadeira lição. O senhor foi o pato que acabo de depenar - finalizou o
sapateiro.
O pobre (então) ministro foi-se embora sem nada mais dizer.
Assim, diz a Bíblia, Deus faz com todos os altivos: Ele os
reduz a nada e, através das coisas loucas deste mundo, envergonha as sábias.
Lembremo-nos sempre do mau ministro, que se tornou um pato
depenado.
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