terça-feira, 18 de outubro de 2011

O velho, o menino e o burrico

No interior de Minas Gerais, terra de gente muito boa e trabalhadora, havia um pequenino sítio. Do que plantava naque­la terra vivia uma humilde família, e também da criação de algumas galinhas e porcos, além de três cabeças de gado. 

Esquecida do mundo, aquela gente era feliz e vivia em paz, ainda que a vida não lhe fosse fácil. Um fiel burrico fazia parte da pequena lista de propriedades daquela família.


Era um animal valente e bem disposto, em cujo lombo havia sido carregada toda a terra removida para a construção do pequeno açude, que mantinha todos vivos na época das longas estiagens.

Com a chamada “febre da cidade grande”, quando a população campestre deixa a zona rural em busca de trabalho nos grandes centros urbanos, a família ficou reduzida a um menino, sua mãe e o avô.
Os tios não apareciam havia tempo! O próprio pai da criança só às vezes mandava lembranças.

Dinheiro, que é bom, nada. Quando o menino cresceu mais um pouquinho, o avô amoroso resolveu levá-lo para ser educado na escola da cidade mais próxima, que distava um dia de viagem do sítio. Viagem a pé, diga-se de passagem, e pela estrada de chão, fique bem claro.

O velho aprontou o burrinho e, logo de manhã cedinho, partiram os três estrada afora, o velho, o menino e o burrico. A criança ia montada no animal e o velho ia à frente, conduzindo a montaria. Por volta das oito horas da manhã, os três pararam em frente a uma linda fazenda, com uma cerca de moirões de jacarandá, muito bem feita, que marcava os limites da propriedade.

Não longe da estrada podia-se ver a casa da sede, onde a fumacinha que saía da chaminé lembrava um café fresquinho, esquentado em cima do fogão de lenha. Uma grande turma de trabalhadores, homens e mulheres, espalhava os grãos de café para secarem no espaçoso terreiro.

Quando aquela gente toda viu o velho a pé e o menino em cima do burro, levantou-se um burburinho. Todos comentavam: “Mas que falta de consideração com o pobre velho!

Nessa idade e fazendo tanto esforço! Uma criança nova como essa pode muito bem andar por si só, sem precisar ir montada no lombo de um burro. O velho sim, precisa de montaria!”.

Um daqueles trabalhadores então gritou: - Ô, menino! Respeite os mais velhos! Desça do burro e dê o lugar ao pobre velho! Assim, o velho e o menino mudaram de posição: o velho montou no burro e a criança foi à frente, puxando o animal.

Por volta das dez horas, atravessaram uma pinguela, ponte estreita, feita com o tronco de uma ár­vore, e pararam junto a uma porteira, em frente a um grande curral, onde os boiadeiros cuidavam do gado. Quando aqueles homens viram a criança abrir e fechar a porteira, enquanto o velho passava em cima do burro, comentaram: “Pobre criança!

A coitadinha vai pela estrada a puxar o animal e a abrir as porteiras, como se fosse uma escrava daquele velho mau e preguiçoso!”

Um deles gritou: - Ô velho! Tem vergonha não? Tenha pena dessa pobre criança!

Assim, o velho deu a mão ao menino e ele, ariscamente, pulou para cima do burro. Lá se foram caminho afora, os dois em cima do burro, vagarosamente.

Às duas horas da tarde, ao fazerem a curva que contornava um morro todo plantado de milho, avistaram um arraial em festa. Um grupo de pessoas celebrava em torno de um braseiro, onde um vistoso assado enchia o ar de sabor.

 Ao verem o velho e o menino montados no burro, comentaram: “Mas que maldade com o bichinho! Dois montados em um pobre burrinho!” E gritaram: - Vocês vão matar esse animal de cansaço!  Assim, o velho e o menino apearam e seguiram a pé pelo caminho, puxando o burrinho.

Mais outro tanto de caminhada e os três chegaram, finalmente, muito cansados à cidade. Passando pela porta de um botequim, alguém maldosamente comentou de lá de dentro: “Olhem só! Três burros: dois na frente puxando outro pela cordinha!”

Atravessando a cidade, atingindo enfim o portão da esco­la, mais alguém comentou: “O velho tá pagando promessa, sô?
Se Deus lhe deu um burro, por que não monta nele? Será que não tem pena dessa criança?”   

Quando se despedia do neto, o velho comentou: - Meu filho, lembre da lição que Deus nos deu hoje.
Quando você montava o burro, os que trabalhavam no terreiro, espalhando os grãos, não lembraram de nos oferecer um café, mas souberam te criticar.

Os boiadeiros não se ofereceram para cuidar do nosso burrinho, dando-lhe água e um pouco de alimento, mas criticaram a mim. Os festeiros não nos ofereceram um pouco do assado, ainda que fosse a hora do almoço, mas criticaram a nós dois.

Por fim, chegando à cidade, na porta da escola, antes de nos receberem e nos darem boas-vindas, vindo nós de tão cansativa viagem, criticaram a todos nós, incluindo nosso pobre burrico. Prepara-te, meu filho, para a vida no mundo!

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